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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Textos e Contextos (1)

Há meses que nada escrevinhava nos Cucos. O texto surgiu-me a propósito da polémica sobre um livro do jornalista Henrique Raposo intitulado "Alentejo Prometido". Mantenho o título porque o considero adequado a outros comentários despretensiosos ( ou apenas simplistas) sobre alguns acontecimentos recentes.
A mencionada polémica sobre o livro de Henrique Raposo é paradigmática. Patética, mas paradigmática da mediocridade casmurra  e estulta que se foi apoderando da vida pública nacional. O autor foi ameaçado nas chamadas redes sociais; o lançamento do livro foi alterado com receio de actos de violência, enfim, uma verdadeira salgalhada. Afinal, o lançamento foi apenas abrilhantado pelo cante alentejano de um grupo que quis sinalizar o seu protesto. Sejamos claros. Noutros termos: eis a declaração de interesses. Apesar de ter nascido em Trás-os-Montes, vivo no Alentejo há mais de 20 anos. Sem deixar de trabalhar em Lisboa, foi no Alentejo que investi o produto de uma vida de trabalho. Numa palavra. Gosto do Alentejo. Da paisagem e também das pessoas que julgo terem qualidade e defeitos como todas. Sou casado com uma alentejana da raia. Graças a Deus.
Parece que o capítulo mais polémico do livro será aquele em que o autor constata que o suicídio não é socialmente  reprovado, ou melhor, é compreendido socialmente. Isto a par de algumas afirmações controversas como a de que os Alentejanos são desconfiados, e outras. Importa deixar registado que o livro é uma espécie de retorno à infância do autor, através da redescoberta de sítios onde viveu ou onde viveram os seus antepassados e de uma análise actual de opiniões, sentimentos e modos de estar. O autor inquiriu pessoas, inquiriu-se sobre episódios que relembrou, enfim, fez uma trabalho meritório para exprimir uma opinião a que tem direito e válida ( a meu ver), apesar de não alinhada com a moda. O autor foi criado, ao que parece, na periferia de Lisboa, visto os seus pais terem "emigrado" para a cidade, como tantos outros alentejanos. Como jornalista, aprecio bastante o autor. Os seus artigos são incómodos e pouco consensuais. Como o livro, ao que parece. Mas não é para isso que se escreve? Não deveria ser esse um dos objectivos de toda a escrita que se preza?
Não subscrevo obviamente a opinião dos tiranetes ofendidos com as opiniões de Henrique Raposo. Mais. Entendo até que a atitude dos Alentejanos a respeito do suicídio é um elogio. Não será muito respeitável para os cânones católicos, reconheço. Mas a necessidade de acabar com a vida quando nos sentimos um fardo para os outros representa uma atitude de coragem que devemos respeitar. No mínimo.
O Alentejo é a "província" de Portugal onde os traumas históricos são, porventura, mais evidentes. "Trabalhada" durante muitos anos pelo Partido Comunista, auxiliado pela acefalia dos agrários e pela anuência imbecil da ditadura, foi lá que a chamada reforma agrária se manifestou. Nas ocupações e similares, primeiro, e nos oportunismos, fraudes e furtos subsequentes. Ninguém teve atitudes de lisura e de dignidade. Nem antes nem depois do golpe militar. Nem à direita nem à esquerda, como então se dizia e ainda se teima em dizer.
Tudo isto deixou marcas muito profundas que levarão tempo a debelar. Muito tempo. Apesar de haver pessoas com fortes sentimentos cristãos, a verdade é que a cultura árabe perdurou com maior intensidade no Alentejo do que no resto do País. Ora, para os muçulmanos, o suicídio, quando praticado em nome de Alá e para defesa da fé e do profeta, pode transformar o agente em mártir com a subsequente gratificação de 1000 virgens para pecar no paraíso. Ou serão apenas 999?
Para terminar. Henrique Raposo exprime opiniões que têm muito de correcto no que ao Alentejo diz respeito. Mas ainda que assim não fosse. Que direito têm os imbecis de só aceitarem aquilo que está de acordo com a sua imbecilidade? Porque será que para uma certa esquerda (?) a democracia e o pluralismo só é válido para os outros? Por vezes apetece dar razão ao economista: socialismo e liberdade parecem incompatíveis. Ou melhor: há pretensos socialistas que teimam em vincar essa incompatibilidade.

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