Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Abril presente, Abril ausente

A insurreição militar que no dia 25 de Abril de 1974 derrubou a ditadura do Estado Novo, foi uma operação militar  de 3ª categoria. Também não seria necessária maior competência e operacionalidade porque o regime estava podre. E, na realidade, caíu de podre. Quem percorreu Lisboa, nesse dia, feliz e de coração aberto, tendo algum conhecimento militar, sabe que esta é a verdade. Três ou quatro companhias com treino e experiência de guerra, teriam facilmente anulado a "operação militar". Felizmente, a operação vingou. A motivação inicial dos chamados capitães de Abril, como é sabido, foi corporativa e meramente reivindicativa. Os capitães do quadro sentiam-se injustiçados pelo acesso à academia e ao mesmo grau militar por parte dos oficiais milicianos que, após a guerra, quisessem continuar a carreira militar. Todavia, a entrada para o movimento de alguns elementos politicamente mais preparados, como era e foi o caso do então major Melo Antunes, deu ao referido movimento uma dimensão politico-social que era até de difícil compreensão para alguns dos capitães descontentes. Muitos deles, acabariam no estrelato, alguns meses e anos depois. Ouvindo hoje algumas das suas patranhas, só conseguiremos sorrir. Mas enfim, a História é feita de ocasiões e de oportunidades. O movimento popular que se seguiu ao golpe e que verdadeiramente começou a tomar forma no 1º de Maio, é da maior importância: a generosidade, a ânsia de liberdade e até de alguma libertinagem, a coragem de empreender a mudança, ainda que matizada de ignorância, a recusa da resignação e do medo, tudo isso e muito mais do que isso fizeram com que o 25 de Abril tivesse soado a uma revolução. Bela, generosa, que poderia ter ido além do "arco-iris". Que poderia ter feito ressurgir, sem preconceitos os heróis do mar. Mas os vários partidos, pequenos, grandes e mais ou menos, enfeudados aos grandes blocos mundiais ou às grandes potências, ou denunciando simplesmente esses enfeudamentos, apropriaram-se sem qualquer escrúpulo da generosidade e da ingenuidade do povo português e manipularam-no de forma que hoje sabemos ser intolerável. Rapidamente surgem os oportunistas. Ressudando da generosidade da maioria da população, bem intencionada e acariciando uma liberdade política de que nunca usufruíra, os oportunistas viram muito rapidamente que poderiam moldar uma sociedade iníqua, desde que se utilizasse a retórica da igualdade; que poderiam moldar uma mentalidade preguiçosa, cobarde e resignada desde que se apregoasse sempre a democracia e se deixassem, de quando em vez, algumas sobras para conformar ou formatar, como hoje se diria, a mioria eleitoral. Não falamos de meses. Falamos de anos. Esta "democracia de pacotilha" já tem mais de três décadas! Esquecemo-nos disso com frequência. Mas, se fizermos um esforço de lucidez veremos que o ensino, acessível à miaoria da população, é verdade, foi nivelado por baixo e é tão medíocre que até os graus superiores se tornaram inúteis. As excepções também existem, mas são raras. A Justiça, ou melhor a administração da Justiça tornou-se ineficiente e patética. As chamadas magistraturas ( que sentido faz a do ministério público?) transformaram-se em corporações temidas e só por isso beneficiadas pelos políticos e pelo sistema. Há casos que bradam aos céus. Mas já ninguém se importa. Há quem se importe e se sinta incapaz ou simplesmente impotente para reagir e mudar seja o que for. Há excepções, também aqui. Mas são raras. A administração pública- esse polvo incontrolável - configura a maior injustiça que é possível imaginar. Pelo número exagerado e pela mediocridade, a administração pública arrasta a produtividade nacional para as ruas da amargura em que todas as estatísticas nos colocam. Os salários do sector privado são inferiores aos da função pública, como é sabido, porque a massa salarial global é, matematicamente, uma função da produtividade. Todavia, a função pública que causa a fraca produtividade, não está sujeita às leis do mercado, nas suas principais variáveis. Logo, todos querem ser funcionários públicos e com razão. Vale sempre a pena, por muitos queixumes que se ouçam.  Em Portugal, é perfeitamente insano investir, a não ser sob a tutela do poder e com garantias, como vemos suceder todos os dias. O nepotismo, o tráfego de influências, a corrupção e a despudorada ladroagem apoderaram-se da vida pública e impedirão que o País possa sair do buraco em que o meteram os mesmos Senhores que tanto pregaram a liberdade e a democracia. Que ainda pregam a democracia e, por vezes, até a liberdade. A deles, seguramente, porque o actual destino da maioria da população é o empobrecimento gradual mas inevitável. Será? Pobretes, poderemos ser alegretes, mas livres não seremos certamente.
É preciso reaver a generosidade, a liberdade, a coragem e o espírito de aventura que determinaram os movimentos populares que se seguiram ao 25 de Abril. É preciso sonhar de novo em alcançar o arco íris. Isso não depende deste ou daquele governo. Este espírito de Abril não é do poder político, seja ele exercido por este ou por aquele partido. É do povo português. É de Portugal. Por isso, é patética a atitude que assumiu a chamada associação 25 de Abril. Tal com o patéticas são as atitudes dos ausentes. De todos os ausentes a que o cartoon do Henrique Monteiro se refere, ainda que personificados no Soares e no Alegre. Neste ano de seca, reguemos os cravos. Mas também as rosas.

sábado, 21 de abril de 2012

O "acampamento" da Justiça

Muito se tem dito sobre a Justiça. Muito se diz sobre a Justiça. Muito se dirá ainda sobre a Justiça. Porque a verdade, a crua realidade é muito pior do que tudo o que já se disse. Do que tudo o que se diz. As queixas do cidadão comum incidem primordialmente sobre a morosidade das decisões. Com razão. Para combater esta morosidade, os responsáveis políticos têm cometido as maiores asneiras e até os maiores atropelos à ideia de Justiça. Importante, como sempre, é melhorar as estatísticas. Mas nem isso conseguem. Quem está mais informado, sabe que bem pior do que a morosidade, é hoje a incompetência. Não generalizada, evidentemente. Mas de grande parte dos agentes da Justiça: juízes, procuradores, funcionários, advogados, solicitadores e agentes de execução ( que chique!). Mas não podemos falar de tudo ao mesmo tempo. Para além da incompetência, também há as brujas. Porque, creiamos ou não, las hay.
Voltemos ao Campus. Ao absurdo e até ao ridículo Campus: inadequado às funções nobres da Justiça, caro, exorbitante, aparentemente luxuoso por fora e deprimente por dentro, com salas pouco maiores do que gabinetes, enfim, tão pretencioso e tão patético como todos quantos conceberam o negócio. Em bom rigor, aquela coisa é até desconforme com o princípio milenar de que a Justiça deve ser administrada sob o escrutínio público. Os entraves à publicidade da audiência são tais que o artº 206º da Constituição da República Portuguesa não pode ser inteiramente respeitado, naqueles Tribunais. A Justiça foi durante séculos o único poder transparente, porque administrado publicamente.
 Mas enfim, a propósito ainda de proveitos e de patetas: sejamos realistas! Patética é a atitude dos portugueses ao permitir todos estas imbecilidades lucrativas. Sim, lucrativas, seguramente. Para alguns. Na mesma medida em que são ruinosas para a maioria da sociedade portuguesa. A imagem que reproduzo acompanhava a notícia de que o futuro juiz do TConstitucional terá de explicar ao DIAP os motivos que o levaram a conceber o brilhante arrendamento  e a transferência da maioria dos Tribunais de Lisboa para o pretencioso Campus. E daí? Explicará isso como tantos outros explicaram já dezenas, centenas de assuntos inexplicáveis. Misteriosos. Porque o segredo é a alma do negócio. Quem sabe se não sairá ainda medalhado? Outros o foram. Porque não este?
Como escreveu António Lobo Antunes em Nação Valente e Imortal, publicado na última Visão:" Vale e Azevedo para os Jerónimos, já! Loureiro para o Panteão, já! Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já! Sócrates para a Torre de Belém, já!  A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha. Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram. Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara...

domingo, 15 de abril de 2012

Festanças

A semana parece ter sido fértil em anedotas. Como de costume. As duas ex-ministras de educação dos governos Sócrates foram ao Parlamento "justificar" a festa que foi a Parque Escolar. Por incrível que pareça, o termo terá mesmo sido utilizado pela Dª Mª de Lurdes Rodrigues. Infeliz, dir-se-á. Talvez. Não foi a primeira vez. Mas, mais festa menos festa, as duas disseram o mesmo e continuam a entender que ninguém esbanjou dinheiro, ninguém gastou a mais, tudo foi feito com cabeça, tronco e membros. Porque não candeeiros de Siza Vieira? Porque não mármores em pombais reconstruídos? Porque não a miséria a que chegámos? Porque não a dívida pública? Porue não burrifarmo-nos para ela? Porque não todas ou todos os parques que estiveram em moda? Lisboa, Braga, Porto, Freixo de Espada à Cinta, seja onde for, os Portugueses tiveram o direito de esbanjar ontem e continuam com o direito de empobrecer hoje. Porque continuaremos a empobrecer, seguramente. Por quanto tempo? Eis a grande incógnita. Os doutos economistas vão dando uns palpites, mas não sabem. Acreditem. Não sabem. Nem os nacionais, nem os da Troika. Não sabem. Ninguém sabe. As variáveis são tantas em toda a Europa, senão mesmo em todo o mundo que ninguém pode prever com um mínimo de certeza o que sucederá daqui a dois anos. Para já, a riqueza que anualmente produzimos diminuirá este ano e no próximo. Logo, haverá menos rendimento. E muito menos rendimento disponível. Para a economia real, isso só pode significar emagrecimento ou, se quisermos chamar os bois pelos nomes, empobrecimento. Que terá de se reflectir, mais cedo ou mais tarde, na capacidade do próprio Estado arrecadar receitas fiscais. Já está a suceder, pelo que nos dizem. Mas vai suceder de forma ainda mais evidente. O que é espantoso é que tanta gente entenda que poderíamos e deveríamos continuar a gastar à tripa forra. O que temos, o que não temos e o que nunca teremos, como se verifica. O que é espantoso é que a reacção não aceite que alguma coisa altere ou mude. Isto é verdadeiramente reacção, por muito que lhes custe a aceitar. Poderá retirar-se daqui que estou a defender as medidas de austeridade deste governo? De maneira nenhuma. Já aqui o disse. A austeridade pode diminuir a velocidade com que nos endividamos. Mas não permite pagar a dívida. Jamis permitirá. Para pagarmos o que devemos, teremos de aumentar o rendimento nacional, como é absolutamente óbvio. Destruir a classe média, como tem vindo a suceder e agora mais do que nunca é o caminho mais directo para o abismo. Permitir que os bancos peçam emprestado ao BCE a 1% e emprestem ao Estado a 6 ou 7% é criar condições para que o sector financeiro não precise de clientes. Para quê? Se tem contribuintes!? A moralização da vida pública nacional é essencial. Acabar com mordomias obscenas, vencimentos milionários, sinecuras completamente inexplicáveis é urgente. Não serão essas medidas, por si mesmas, que farão com que saiamos da crise. Mas poderão ajudar. Pelo exemplo, quanto mais não seja. A população não pode sentir-se incapaz perante tanta mentira e tanta ladroagem. Teremos de criar condições sociais que evitem a triste resignação em que vivemos. É a Justiça. A Justiça é um valor indispensável à moralização social. E a Justiça tarda, e tarda... e só esperemos que chegue algum dia. E que não seja tarde demais como diz o fado. Porque tudo isto existe e tudo isto é fado.
* A imagem nada tem a ver com as Festanças da Parque Escolar, de todas(os) as/os parques da paróquia, das chamadas parcerias público-privadas ou ppp, etc. Aproveitei a imagem de uma lindíssima miniatura intitulada Cantorias na Roça, que retirei do Google, mas que terá sido publicada em http://www.overmundo.com/. Ao que parece, trata-se de uam lindíssima miniatura de um artista popular brasileiro, de seu nome Adriano Araújo, que depois de alguns anos como porteiro em S. Paulo regressou à sua pequena cidade de Pedro II, e se dedica agora a fazer miniaturas da vida que conheceu em criança, mas que o tempo já destruiu. Há mesmo um mini-museu com estas lindíssimas miniaturas. Assim, a festança da imagem é positiva, ao contrário daquelas a que o texto alude, e fica aqui como homenagem a Adriano Araújo e também a Natacha Maranhão, autora da reportagem que pude ler.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Estado paga a multa

Leio no jornal que o Senhor Dr. Mário Soares circulava na viatura oficial ( a que tem direito) a 199 kms por hora. Nada de mais. Terá exigido alguma pressa ao motorista para não chegar atrasado a um qualquer compromisso. Daí só poderemos inferir que o Dr. Soares circula em boas viaturas ( oficiais), que é servido por um bom condutor, e que temos boas auto-estradas. Cada vez menos utilizadas, por falta de dinheiro para as portagens do Zé povo que as pagou continua e continuará a pagá-las e a utilizá-las cada vez menos. Tudo isto é pouco interessante. Verdadeiramente interessante terá sido a resposta que, segundo a notícia, o Dr. Soares deu  ao Senhor Guarda:" o Estado paga a multa". Nesta frase lapidar e paradigmática encerra-se todo um programa de governo. Dos que o Dr. Soares chefiou e de muitos outros. A frase encerra toda a estrutura de um regime: aquele que foi criado com o arcaboiço do Dr. Soares e graças ao seu fortíssimo  patrocínio. Encerra-se nesta frase o estado e a perspectiva de evolução do Estado português. O Estado é ninguém. Como um romeiro. É essa entidade abstracta que pode ser roubada e a cujas tetas se penduram os verdadeiros democratas deste faz-de-conta. O Dr. Soares sempre teve e tem uma enorme dificuldade em perceber que o Estado é pago pelo mesmo Povo que lhe enche a boca; que aquilo que o Estado paga sai do bolso desse mesmo povo. Tal como a viatura em que era transportado. Tal como o motorista. Tal como a secretária a que também tem direito, como ex-Presidente da República. Tal como o Gabinete. Ao que consta, O "Estado" também paga esse gabinete que, por mero acaso, fica na sua Fundação. Esta, por sua vez e segundo consta, funciona numa casa oferecida pela Câmara Municipal de Lisboa, de que o filho foi Presidente e cujo funcionamento e dívidas o mesmo Povo paga. Francamente, depois de tantos milhões e milhões com a revelação dos quais nos cansamos já diariamente, o que são 300 euritos? É obsceno que, perante as dificuldades do País, o Dr. Soares passe o tempo a lamentar a pobreza progressiva a que estamos condenados. Só pode ser hipocrisia. Acreditamos que não seja puro cinismo. Mera hipocrisia. Como disse há meses o vice da bancada socialista que agora se demitiu, devemos borrifar-nos para a dívida. Em verdade, em verdade vos digo: o homem só disse aquilo que todos os socialistas pensam. Aquilo que muito boa gente pensa. Aqueles a quem, seguramente, pouco ou nada custará a pagar.
Boa Páscoa Dr. Soares. Cuidado com as multas que a operação já está na estrada. Não serve para nada, como as restantes. Mas é mais uma operação da GNR que o Estado paga. Ora essa!